Francisco Bicalho, o funcionário que não assinava o ponto

Em 1903, parte das obras para a modernização da região portuária do Rio foram feitas no governo de Rodrigues Alves, que nomeou Lauro Müller, Ministro da Viação e Obras Públicas do governo, para coordenar a intervenção urbanística da área à época. Müller organizou a Comissão de Obras do Porto e escolheu o engenheiro Francisco Bicalho, figura eminente do Clube de Engenharia e influente no interior da corporação, para chefiar o projeto. Contudo, conta José Luís Bicalho, neto de Francisco Bicalho, que o avó não era bem um funcionário de escritório:

”Quando meu avô terminou seu mandato frente à comissão de obras publicas da capital federal, foi imediatamente convocado por Rodrigues Alves, o então presidente da Republica para assumir o cargo de inspetor das Obras de Melhoramento do Cais do Porto do Rio de Janeiro. Essa nova missão estava totalmente fora dos planos do engenheiro Bicalho. Ele que desde a sua formatura em engenharia, em 1871, já ocupara, nos últimos 21 anos, os seis mais importantes cargos de direção na área de engenharia do Brasil, não queria emendar um sétimo sem tomar um fôlego. Uma coisa é trabalhar vinte anos ininterruptos, outra é passar esses anos como responsável por tudo e por todas as decisões importantes.
Foi então que o hábil político vislumbrou uma solução. Não querendo perder seu melhor engenheiro, sugeriu que Bicalho montasse o escritório na sua residência. Para meu avô, que desde a formatura não havia aberto um livro sequer que lhe permitisse manter-se atualizado, foi sopa no mel. Aceitou de pronto a oferta. Essa era a única forma de conseguir algum tempo extra para os estudos.
O poeta Manuel Bandeira, amigo intimo de toda a família Bicalho, sabendo da preocupação de meu avô com o rumo que a audiência com o presidente podia tomar, na mesma noite foi à casa do amigo para saber das novidades. Ao saber do arranjo, ria-se a bandeiras despregadas, quando anunciou que já tinha, escrita e nomeada a crônica para a sua coluna de domingo no Jornal do Brasil: O funcionário que não assinava o ponto.
Foi assim que o político Rapozão segurou seu engenheiro por mais oito anos. Permitindo que o mesmo trabalhasse na tranquilidade de sua casa!
Meu avô Bicalho teve prole numerosa: doze filhos. Segundo Manuel Bandeira, testemunha insuspeita apesar da grande amizade que nutria pela família, todos dotados de acentuadas qualidades intelectuais e morais. Devo destacar dois de meus tios que sem demérito para os demais estavam a um passo a frente do grupo: tio Honório que era escritor e tia Julieta que era festejada pintora. Não faltava muito para que mais um irmão viesse a se juntar a essa dupla. Essas expectativas recaiam sobre o então estudante de engenharia José Maria, que por tudo demonstrava estar seguindo na mesma profissão, os passos do Pai.”

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