Abra bem os ouvidos. Você escuta esse grupo de jovens andando fantasiados pelas ruas, numa barulheira só? Eles trazem violões, viola, cavaquinho, ganzá e flauta. São os primeiros ranchos carnavalescos. Fique em silêncio e escute: são negros, baianos, descendentes de escravos, e estão cantando com alegria sua liberdade. São os avôs do carnaval do Rio de Janeiro!
Os ranchos carnavalescos foram fundados entre o fim do século 19 e a primeira metade do século 20. Nasceram no bojo da tradição de Folia de Reis, uma importante festa celebrada pela corte em 6 de janeiro de todo ano, dia em que se celebra a chegada dos reis magos com presentes para o recém-nascido Jesus Cristo.
O pintor Jean-Baptiste Debret descreveu como a “classe inferior, composta de mulatos e negros livres” celebrava a Folia de Reis: “Fantasiados, em pequenos grupos escoltados por músicos, percorrem as ruas da cidade e, quando a noite é bela, prolongam sua excursão pelos arrabaldes onde acabam entrando numa venda e ficando aí até o nascer da aurora. Outros, ao contrário, preferem organizar pequenos salões de baile, onde se divertem ruidosamente, dançando uma espécie de lundu, pantomima indecente que provoca os alegres aplausos dos espectadores durante toda a noite”.
Morador da rua Barão de São Félix, o baiano Hilário Jovino Ferreira é reconhecido como inventor dos ranchos ao fundar, em 1893, o grupo Reis de Ouro. Foi Jovino quem teve a ideia de transferir o desfile do período tradicional em janeiro para os dias de carnaval.
Segundo o historiador Tiago de Melo Gomes, quando Jovino fundou o Reis de Ouro, a festa popular de Reis era duramente criticada pela imprensa devido a seu “barbarismo”.
Os ranchos contavam com presença de um rei e uma rainha, ao som de uma marcha-rancho, que não tinha batuque, mas sim instrumentos de sopro e corda. Quem abria o cortejo eram a porta-estandarte e o mestre-sala – este desfilava armado de navalha para proteger o pavilhão de sua agremiação, ou então era roubado pelo concorrente. Muitas vezes, saía briga entre diferentes agremiações.