Até 1903, este lugar onde você está pisando era o mar. Depois de 15 anos do fim da escravidão e a proclamação da República, o governo federal queria revitalizar economicamente o Rio de Janeiro e deixar para trás de vez o passado escravagista. Nesse ano, o presidente Rodrigues Alves determinou uma grande modernização do porto, que mudaria radicalmente a cara do litoral da região central. Além do saneamento, as obras deveriam aumentar o comércio, a arrecadação e as “condições de trabalho”, ou seja, o governo via também necessidade de resgatar a imagem da cidade, para ampliar a captação de mão-de-obra imigrante.
As obras foram chefiadas pelo engenheiro Francisco Bicalho, figura eminente do Clube de Engenharia e influente no interior da corporação.
Segundo o historiador André Nunes de Azevedo, doutor em história social pela PUC-Rio, o projeto de revigoração do porto “expressava a visão mecanicista de urbanização dos seus mentores, nas quais um conjunto de vias retas e simétricas entre si operavam ligações objetivas, sem margem às sinuosidades e curvas que estabeleciam alternativas nas ligações viárias.’’
Neste período, a Avenida do Cais (futura Rodrigues Alves), a Avenida do Mangue (que passou a ser Francisco Bicalho) e da Avenida Central (renomeada em 1912 como Rio Branco) foram abertas.
No processo, toda a margem litorânea foi soterrada e a costa, desfigurada. No seu livro Le Port de Rio de Janeiro, o vice-cônsul da França no Brasil, F.A. Georgelette, descreveu como era o antigo traçado:
“Ao longo de todo esse litoral, entrecortado de ruas sombrias e tristes, com habitações vetusas e miseráveis, em sua maioria cortiços ou cidades operárias, onde fervilhava uma população heteróclita, erguiam-se ainda ontem uma grande quantidade de trapiches e armazéns (…) e inúmeros pequenos cais de madeira que só era acessíveis às embarcações de transbordo ou aos pequenos navios de cabotagem. A maioria desses trapiches e armazéns desapareceram juntamente com todo esse bairro malsão, sob os golpes de picareta demolidores encarregados de limpar o terreno para os trabalhos do novo porto. Foi necessário construir outros, em caráter provisório, enquanto não ficavam prontos os vastos armazéns gerais, bem planejados, que em breve os substituirão”.
Esses armazéns estão até hoje aqui no Boulevard Olímpíco, e hoje abrigam festas e eventos, como o Armazém da Utopia.